bio

Um currículo do século XXI

Vibrações de mudanças a todo instante, é preciso fluir como um rio para sentirmos os  novos ares.
Veloz, o mundo se reorganiza a partir da revolução criativa, científica e tecnológica. Criam-se assim diariamente novas categorias para as coisas e para os fabulosos eventos a elas relacionados.

Avalanches de estímulos, compartilhamento instantâneo e as visões multi dimensionais, dão origem ao que alguns sociólogos vem chamando de categorias “neo renascentistas”. O trabalho muda de estado, do sólido para o líquido, algo que se movimenta entre - e marca a convergência de disciplinas como a tecnologia, o design e as relações humanas.

Definir minha profissão em uma palavra, fez-me refletir sobre a essência profissional, aquilo que não pode ser ensinado, ao contrário da técnica.

Uma boa notícia é que não estou sozinha, a outra é que a dificuldade de dar nome ao que faço emaranhada à dificuldade desta nova época de definir a si mesma, demonstra que algo novo está acontecendo e que sou parte dele.

Desenrolei então o meu tecido da vida,  para encontrar o bordado da minha história no mundo, as referências, experiências e influências de que sou feita.

Linha Evolutiva 
...

Aos 15 anos vivi minha primeira experiência profissional. Com algumas fotos 3x4 fui ao shopping, desta vez não mais para fazer compras ou encontrar os amigos, tinha um desafio.

Acompanhada da sorte, em dois dias comecei a trabalhar.

Cheiros, texturas e muitas cores! No território united collors a atmosfera era de viagem pelo mundo. Malas, malhas, sedas, lãs, tricôs e as provocações de Oliviero Toscani. O nome do delicioso perfume era “Tribú”, sugestivo não?

O tempo passava diferente na clarabóia onde o desafio era conhecer diariamente pessoas das mais distintas personalidades e propor através de looks, roupas e tecidos uma comunicação visual de auto expressão.

Em 1995 vestia coturno e saia longa preta, desenvolvida a convite da marca que eu trabalhava, pelo recém lançado estilista que aliás decolou mundialmente elevando a essência da moda brasileira. Nova campanha, mudança de logo e a ousadia da passarela de água me faziam entender o sentido da palavra voar, que na língua do jeans chamava-se strech, a grande inovação da década.

Enquanto engordava minha coleção de Vogue, fazia um curso de mesmo nome onde aprendi modelar, cortar e costurar. A diversão, além dos ensaios de moda com os amigos e as garimpadas em brechós,  passou a ser a criação de saias para minha irmã e eu.

Em 96 vestia outras peles. Em clima de latinidade, fui seduzida pelos triacetatos, melanges, panamás e sedas florais, achava poético pedir a peça no estoque pelo nome do tecido.
Blue, Red e Black Label, novas categorias de produtos começavam a aparecer, as marcas se reinventavam para um novo consumidor, fruto das mudanças.

De tempos em tempos tínhamos visitas dos supervisores, que além de dar um ok na loja - o que mais tarde descobri se tratar de Visual Merchandising - eram provedores de informações de moda e da coleção a ser lançada.
Nas entrelinhas, questionava a origem dos tecidos tentando entender sua nobreza, quando numa das respostas ouvi pela primeira vez o termo feira de tendências e o nome Premiere Vision.

O fim do século XX se aproximava. O Ipê Amarelo, presente na vista do quintal de casa era estampado pela marca que apropriada da alma do jeans, triunfara o sucesso da calça de moletom e projetava em suas coleções o espírito vanguardista do que estava por vir.

O novo século se apresentava com fortes sinais de mudança, novos comportamentos e configurações conviviais embaladas à música eletrônica me fizeram abandonar selos e cartas e a relação com os amigos exploradores de outros hemisférios ficara cada vez mais próxima.
Em casa, uma revista esquecida num desses troca troca culturais. Duas páginas de conteúdo poético e fotográfico descreviam as últimas tendências e tecidos da Premiere Vision , naquele momento tive uma certeza, queria criar tecidos !

Na engenharia têxtil, a rigidez das máquinas e matemáticas fragmentava pouco a pouco a poesia, como num processo de desconstrução da minha própria imaginação. Aprendi técnicas e tecnologias para a construção de tecidos, foi ali também que ouvi pela primeira vez o termo brainstorm, o que me fez acreditar que tudo aquilo um dia faria sentido.

Um olho no olho definiu minha seleção para estagiar na centenária empresa que sintetizou o corante índigo.
Brincar com a superfície dos tecidos através de algo tão intangível como a química, aguçava minha imaginação. As inspirações e tendências de cores e texturas para a próxima temporada era algo ainda distante.

Minha formatura se aproximava, hora de decisões e desafios. 

Decisões tomadas e desafios lançados, meu papel era o de ir além e o desafio era costurar as pontas da cadeia.
Perguntas e mais perguntas, quem , quando , o quê e como.
Me aliei à uma designer de mesma frequência e transformamos linguagens para o que seria esta conversa paradoxal entre os dois extremos da cadeia têxtil. Inteligência e emoção, analógico e digital, maquinas e moda.

As feiras apontavam as direções de cores, texturas e materiais, enquanto a imersão cultural das viagens em si, as ruas, galerias, musicas, lojas e pessoas, inspiravam as histórias das coleções. Tudo isso era transformado em design de superfície que através dos tecidos desafiava novas experiências. 

Atrás de respostas, entrelaçava o mercado brasileiro, enquanto um grande novelo de perguntas se formava.
Na terra de Da Vinci compreendi o tal jeitinho italiano e no berço da Revolução Industrial, aprendi que brincar com tecidos é coisa muito séria!

À quatro mãos, o poeta da moda e eu bordávamos em nossa bandeira os verdadeiros valores criativos, imersões filosóficas e conceituais fiavam novas histórias. A sincronicidade atraía reforço, e as histórias que eram de vida, passavam a ser contadas também nas cores para casas, legitimando a ideia de unidade.

Frágil como a seda, a nobreza daquilo que era novo reduzia-se à fiapos no contar da história.
Os donos da palavra desdobravam-se em formulas, sem a plena consciência de que a língua não pode elucidar tudo e que para contar novas histórias era necessário sair dela como comunicação e passar a usá-la como invenção.

Os extremos se aproximam. A moda vive a era dos materiais, nada mais propício.

Na linha do tempo, a tal nova linguagem dilatava os canais, a veia criativa da moda me estendia as mãos e juntos movíamos os passos rumo ao protagonista da história, o consumidor. Os pequenos tecidos criados em laboratório, cresciam com uma certa enfermidade no processo industrial, precisávamos de colaboração. Materializar  estes tecidos ia além da roupa e da experiência, a magnitude era a de uma nova mensagem, porque além de outras características eles também falam.

A curiosidade era despertada pelos tecidos que estrelavam nas passarelas, um sinal  de que estávamos no caminho certo.
Respostas mais concretas viriam da experiência real de consumo que não chegou a acontecer. Desafiar a inovação requer mentes e corações abertos e foi então que percebi que aquela colaboração necessária estava distante, vítima do velho mundo moderno, ainda dependente do pensamento lógico para validar suas ações.

Estava diante de contradições no interior de um mesmo processo e descobri que o tal paradoxo estava justamente ali onde as redes da lógica aprisionam o fascínio da inovação.

Já sem nenhuma garantia de retorno aos velhos roteiros e uma vez que o positivismo da técnica só nos pode indicar caminhos falsos, não há outra saída senão entrelaçar-me à outros fios e desafiar este desejo desconfortável de criar tecidos.